Procede linhas filosóficas que comparam Maquiavel ao “demônio” da política?



A questão sobre a demonização de Maquiavel na política é basicamente de ponto de vista. Pela qualidade da obra de Maquiavel, sobretudo O Príncipe, por uma leitura mais detida e profunda, não seria possível valorá-la como maléfica ou benéfica. Mantida a perspectiva histórica e o entendimento do pensamento filosófico do pensador Maquiavel, fica demonstrado que o uso e interpretação que se faz de sua obra como tratado da maldade é improcedente. 

O florentino ao produzir sua obra principal sobre política tomava como ponto de partida a realidade da natureza humana, que ele entendia ser gananciosa e capciosa, e de sua Itália dividida por permanentes crises políticas e constantes ameaças externas. Daí propor uma personalidade política forte e desvinculada das amarras morais e religiosas; muito embora não seja difícil ler em seu tratado atribuição de valor as virtudes como desejáveis e admiráveis. 

É verdade que sua tese de personalidade política forte atribui caráter utilitarista, que em função de um fim que objetive a manutenção do poder ou o bem estar do conjunto da nação, os meios, mesmo cruéis, seriam lícitos por essa lógica. Porém ele arrazoa que é assim em função da natureza do homem, astuta e maldosa, o que poderia por em risco qualquer principado ou projeto de estado. Quando Maquiavel fala sobre o uso do mal é com o objetivo de neutralizar forças que competissem com a execução do programa de estado ou manutenção do poder. 

Enfim, em sua obra observam-se duas forças concorrentes para unificar o povo, consolidar e manter o poder. São a maldade e a bondade. A maldade como estratégia de eliminação das forças contrárias, exemplo e demonstração de poder; a bondade como forma de atrair o amor do povo, que evitasse as conspirações e insatisfações desestabilizadoras do poder. Mas antes a maldade do que a bondade, pois ele argumenta que as condições que levam ao medo são sempre presentes no espírito humano, enquanto as outras são inconstantes. 

Termino deixando o pensador falar: - O príncipe deve parecer clemente, leal, humano, íntegro, religioso e deve sê-lo. Mas deve estar com o espírito pronto para que, precisando não ter essas qualidades, possa e saiba assumir o contrário. [...] Como disse antes, não se desviar do bem, se possível, mas saber sempre como usar o mal, se necessitar. (Maquiavel, 1996, p. 89).






Márcio de Carvalho Bitencourt


Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A Lógica do Poder em Maquiavel

O Cristianismo é um Platonismo para o Povo

Teoria dos Ídolos de Francis Bacon