A Lógica do Poder em Maquiavel


Maquiavel, pensador florentino da Renascença, pode ser considerado fundador da política moderna. Seu pensamento político é inovador, pois está baseado na história real da humanidade e suas experiências concretas, se afastando da tradição filosófica e teórica que até então orientava os pensadores políticos – Platão e Aristóteles eram as maiores referências de sistematização política.

Entre suas importantes contribuições para a prática política está sua concepção de exercício do poder. Se pensarmos o poder, entre outras definições possíveis, como faculdade de exercer autoridade política, poderio, soberania e capacidade de produzir efeito de dominação, temos em Maquiavel uma função estritamente instrumental, pragmática. Para ele o poder era a faculdade que o líder (príncipe em sua definição) desempenharia em sua melhor capacidade dentro de uma virtude (virtú: termo que Maquiavel usa singularmente) onde a sua lógica era completamente ímpar daquela ingênua e baseada nas características ditas piedosas (bondade, compaixão, generosidade, desinteresse, etc.). 

Para entender melhor como Maquiavel define as condições de poder eficaz, é necessário saber em quais motivações e condições históricas ele formulou seu sistema de poder político. Visualizemos sua Itália do século XV, cujas condições em que a península estava submetida eram fragmentadas em pequenos principados que se digladiavam pelo poder, sem a preocupação com a estabilidade que propiciasse a unificação de uma nação, uma grande Itália. Maquiavel idealizava um estado, inspirado na primeira república romana, e para isso propôs uma personalidade que reuniria condições estratégicas para sua realização, porém com um poder de ação bastante controversa.

Também se faz necessário compreender que para Maquiavel o homem era um ser eivado de imperfeições morais tais como a ingratidão, a volubilidade, a covardia, a ganância e a maledicência, entre outras. Por tudo isso, seu personagem político, que estaria apto a consolidar um Estado forte e manter esse poder, necessitaria possuir, mais que a fortuna ou sorte, a virtú, uma qualidade moral que, orientada unicamente para os fins políticos hegemônicos, não hesitaria em executar o disfarce, até mesmo a crueldade, se isso favorecesse seu projeto e eliminasse seus inimigos. 

Porém, se decompuséssemos pelas entranhas o político maquiavélico, através da definição do próprio Maquiavel, acharíamos não um personagem sem princípios ou unicamente tirano, pelo contrário, teríamos uma personalidade dotada de virtudes práticas e objetivas focada em seu projeto de construção e manutenção de seu poder e Estado, com finalidade de realizar uma sociedade que operasse política e economicamente dentro de certa normalidade e pacificidade. Aliás, esse líder teria sim uma doutrina moral que privilegiaria a justiça e toda sorte de valores desejáveis para um convívio pacífico entre seus súditos (hoje, cidadãos).

Enfim, O Maquiavel que se lê no “O Príncipe” está muito distante de um que o mito e a opinião preconceituosa insistem em rotular com cores unicamente vermelhas de guerra e atrocidades sem escrúpulos. Talvez, penso, essa distorção é intencional para que se possam justificar comportamentos políticos reprováveis e inescrupulosos. A leitura do “O Príncipe” se faz obrigatória para aqueles que pretendem entender o pensamento político de Nicolau Maquiavel.


Márcio de Carvalho Bitencourt
 

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