O uso da razão científica proposto pelo movimento iluminista obteve o sucesso esperado?

Para uma resposta positiva sobre se a razão científica conseguiu responder todos os problemas da humanidade, teria de restar nenhuma pergunta que fosse problema a ser resolvido. Não é esse o caso. Porém muitas reflexões podem ser feitas de grande valor sobre essa questão. O Iluminismo foi a experiência histórica no mundo europeu do século XVIII, que pretendeu revolucionar a ciência e o pensamento filosófico até aquele período. Foi fruto do amadurecimento do pensamento que vinha gestando aproximadamente há dois séculos. Seus propugnadores entendiam que a humanidade estava mergulhada no atraso da superstição, tirania política e religiosa, sendo tutelada por aqueles que detinham o poder vigente através do medo e ignorância.

Os iluministas acreditavam que com o império da razão a humanidade baniria o atraso em todas as áreas humanas. Traria a felicidade e possibilidade de realizações extraordinárias, com o desenvolvimento das ciências capitaneadas pela supremacia da razão. Logo, por essa definição, todos os problemas da humanidade estariam equacionados na sua perspectiva correta, e por consequência suas respostas e soluções seguiriam concomitantemente. Surge então, três séculos depois, o questionamento sobre se aquelas promessas dos ideais iluministas, que transformou a forma do homem pensar, se relacionar e agir no mundo obteve consecução.

Temos então algumas respostas possíveis. Uma que afirma o sucesso dos fundamentos iluminista à medida que se possa observar que vivemos em um mundo onde a tônica recai sobre a preponderância dos valores científicos e sua louvação na sociedade, tanto acadêmica quanto leiga. Também se manifesta a opinião de que, não obstante a comunidade científica e sua racionalidade ainda não terem respondido todos os questionamentos humanos, estamos dentro do processo de amadurecimento histórico, no qual gradativamente se tem encontrado as saídas e respostas necessárias para o aprimoramento e progresso humanos, porque ainda maturam-se os ideais que entronizaram a razão.

Relevante e cada vez maior é a posição daqueles que afirmam que da forma absoluta que o iluminismo se colocou, como afirmativa exclusiva de redenção da humanidade, não tem sido viável para as questões que exigem respostas que abranjam a plena dimensão humana. Arrazoam que o império frio da racionalidade, que possibilitou a tentativa de erradicação da metafísica, teve um efeito deletério sobre questões profundamente humanas. Se por um lado a razão é sim um aspecto importantíssimo como ferramenta de reflexão e investigação das possibilidades de uma vida materialmente melhor, alegam os críticos do racionalismo cru que por não valorizar igualmente a dimensão espiritual (metafísica) do homem e seus valores subjetivos de afetos, solidariedade e uma preocupação precípua com os desdobramentos da prática científica (aqui observar o uso dos achados científicos pela tecnologia) só acarretaram desequilíbrio e ameaça a felicidade, e até mesmo a sobrevivência da espécie.

Como observamos pela breve exposição de algumas posições sobre o sucesso ou não da proposta iluminista, no tocante a afirmação hegemônica da razão e ciência, como possibilidade de salto que a humanidade teria que realizar para a superação de sua condição atrasada e servil, suscitam-se posições diversas e até antagônicas. Porém, inegavelmente tem sido o avanço extraordinário que a afirmação da razão, trabalhando os diferentes aspectos das ciências, não só as descobertas de um universo que se expandiu assombrosamente, muito além do pensado pelo homem até aquele momento, mas também emergindo outras questões de natureza filosófica existencial do homem e, insolitamente, espiritual. Uma voz forte que sugere harmonia diz que urge fazer da ciência apenas instrumento e não templo máximo, para servir um homem que necessita encontrar, para além da física, sua dimensão completa. Física e espiritual.

Márcio de Carvalho Bitencourt