Para Que Conhecimento?


As bases da ciência contemporânea, mormente seus valores e objetivos, podem ser remontadas, em seus pilares fundamentais, nos séculos XVI e XVII, que vieram a ser conhecidos como séculos da Revolução Científica. A razão, enquanto valor, fora o apanágio que animou e serviu de inspiração para os pensadores do Renascimento. Temos aí, então, um ambiente propício para uma mentalidade que ficou conhecida como cientificismo. Se em Nicolau Copérnico, Isaac Newton, Johannes  Kepler, Tycho Brahe entre outros,  são exemplos de pensadores e indagadores da physis ainda voltados para suas descobertas e questões “políticas” (o saber estava ligado a questões teológicas, e seus achados conflitavam com o Establishment), com Francis Bacon o pensamento científico moderno – sem deixar de mencionar René Descartes – assume sua parte teórica mais abrangente, que viria influenciar  o ocidente nos seus aspectos de ciência e tecnologia até os dias de hoje. Se por um lado suas teses serviram de base teórica para a prática da ciência, por outro, segundo alguns de seus críticos, foram  fundamentos deletérios na relação ciência-homem-natureza.
Marilena Chaui, falando sobre a razão instrumental – uso do conhecimento para dominar e controlar a Natureza e os seres humanos – disserta que a partir do momento em que a razão se torna um mero instrumento às mãos de uma ciência voltada para a mera exploração da natureza, dobrando-a e escravizando-a (numa livre citação baconiana), essa razão deixa de ser uma ferramenta de reflexão ética e moral para tornar um mero instrumento de uma ciência mecanicista, voltada para subjugar, dominar e explorar (axaurir) a natureza. Isso muda o eixo de articulação de ciência anterior, que consistia no conhecer aspectos regulares  e contemplativo da natureza (essa ciência, sublinhando seu contexto histórico, estava a serviço do pensamento teológico).
Fritjof Capra, em seu conhecido livro O Ponto de Mutação, que foi traduzido para o cinema com o mesmo título, aborda de um ponto de vista crítico o fracasso do cientificismo, o conceito moderno de ciência, degradando os recursos naturais, sendo regido apenas pelos mercados –  financeiro,  de consumo e hegemônico. Segundo Capra, Francis Bacon concebia a Natureza como um ente feminino, por isso deveria ser, pela ciência, domada, escravizada e, mesmo sob tortura, ser forçada a entregar seus recursos e leis que a regem, dissecando-a.  Essa metáfora é implementada nos laboratórios de todos os ramos da ciência. Por consequência se forjou no universo da ciência práticas predatórias, degradando e exaurindo recursos naturais, ameaçando ciclos vitais, ou pelo menos a destruição daquilo que conhecemos hoje como ambiente natural.  Porém, Capra propõe que se reinvente, aliás, redescubra uma lógica de pensar e se relacionar com a natureza e o todo numa epistemologia baseada na Teoria dos Sistemas Vivos. Essa “ecologia do pensamento” pretende compreender a relação com a natureza como um todo em que tudo está interligado e se relaciona. Essa concepção traria para a humanidade uma civilização refundada na harmonia holística entre todos os seres. Numa visão romântica os aspectos orgânicos e inorgânicos seriam um único todo vivo a evoluírem em harmonia e criatividade.
A ciência teria, nessa utopia, a tarefa de perscrutar as leis e os meios de potencializar e suster o equilíbrio em face das necessidades e contradições que a vida em sociedade desdobra. Tal realidade se define utopia por conta de uma condição onde a ciência é um meio de dominação e exploração não só da natureza, mas do homem pelo homem (Karl Marx). A esperança, segundo Capra, estaria no “pensamento ecológico”, já abordado anteriormente, se forças políticas e movimentos sociais através de seus ativismos conseguirem conscientizar a opinião pública e lideranças que o poder econômico e nações hegemônicas, no mau  uso do conhecimento científico, vêm degradando o planeta e seus habitantes. Até lá resta-nos a luz da esperança.
Márcio de Carvalho Bitencourt

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